Bio
José Carlos Hans Schwarz é um dos mais célebres artistas musicais guineenses da segunda metade do século XX. Em 1977, a Guiné-Bissau – pátria de Schwarz ainda no rescaldo do processo de independência – assistiria ao fim de uma carreira musical em plena fase de ascensão, com a morte prematura do artista aos 27 anos.
José Carlos somava em si ascendência guineense, cabo-verdiana e alemã. Nascido em Bissau em 1949 no seio de uma família abastada, a sua educação elementar seria orientada pelo pai, sendo mais tarde enviado a Dakar e a Cabo Verde para aí efectuar os seus estudos secundários. Depois de uma temporada em Lisboa, regressaria a Bissau por volta de 1969.
A apetência de José Carlos pela literatura e a sua força de enquanto poeta, músico e compositor haveriam de prevalecer sobre a vontade do pai, que ambicionava para o filho uma carreira mais convencional. Seria com os amigos de infância, os irmãos Castro Fernandes – em particular com Ducko – que viria a ganhar o entusiasmo pela música e a fazer a sua aprendizagem musical. Faria parte, enquanto adolescente, do conjunto “Pérolas Negras”, criando mais tarde o seu agrupamento musical intitulado “Sweet Fenda”, cuja inspiração era ecléctica, ligada sobretudo à música americana e brasileira.
Por esta altura a sua veia política afirma-se e o seu talento para a liderança leva a que as autoridades portuguesas tentem recrutá-lo para difundir propaganda a favor do regime colonial. Porém, é justamente numa viagem à metrópole que o jovem José Carlos toma contacto com as ideias pró-independentistas do PAIGC, na pessoa de Filinto Barros, dirigente daquele organismo na clandestinidade. No entanto, a sua fidelidade aos ideais pró-independentistas haveria de prevalecer e a sua acção política e artística tornar-se-ia concomitante da luta armada pela independência.
A sua actividade enquanto músico intensificou-se a partir de 1970, data em que inicia o serviço militar obrigatório. Abandona gradualmente o gosto pela música estrangeira importada e a sua trajectória musical começa a tomar uma dimensão local, ao mesmo tempo que os seus ideais independentistas se conjugam com a sua personalidade artística, o artista começa a privilegiar as tradições musicais guineenses e o crioulo como língua de eleição nas suas composições.
No início da década de 70 funda, juntamente com Aliu Bari, Mamadu Bá, e Samakê o grupo musical mais influente da Guiné-Bissau, os “Cobiana Djazz”. Deste encontro, e face ao interesse demonstrado por Schwarz nas formas da música tradicional guineense – como por exemplo o gumbé – o grupo efectua esse resgate identitário da cultura de um povo em pleno processo de conquista da sua independência e que encontrava na música deste grupo um veículo de afirmação e resistência.
A aparição dos “Cobiana Djazz” na cena musical torna-se um sucesso imediato entre o povo guineense. O uso do crioulo e de formas musicais tradicionais estabelecem uma ligação afectiva imediata com o público, ligação acentuada através do imaginário intervencionista e independentista patente nas letras, que começa a motivar a juventude guineense a juntar-se à luta armada que vai tomando lugar no país.
A aparição bombástica dos “Cobiana Djazz” traria outro tipo de detonações. José Carlos Schwarz viria a envolver-se em actividades de guerrilha urbana e a perpetrar atentados bombistas no centro de Bissau, o que leva a que seja detido, juntamente com Aliu Bari e Ducko Castro Fernandes, e torturado nos calabouços da PIDE/DGS, sendo depois transferido para a prisão da Ilha das Galinhas durante três meses e meio. Schwarz ficaria encarcerado enquanto prisioneiro político durante um período total de cerca de dois anos, entre 1972 e 1974.
O processo de descolonização proporcionado pela revolução de 25 de Abril de 1974 na metrópole vem a culminar, ainda no mesmo ano, no reconhecimento do estado soberano da Guiné-Bissau.
Schwarz, um dos principais combatentes pelo reconhecimento do seu país enquanto nação soberana, saudaria este processo e seria numa primeira fase uma parte interveniente na instalação dos novos dirigentes políticos, aproveitando a popularidade que lhe fora outorgada enquanto artista de forte reconhecimento público. Apesar deste facto, tornar-se-ia mais tarde uma voz crítica no desenrolar do processo de crescimento e desenvolvimento da Guiné-Bissau independente. Tomando parte nos destinos políticos do país – viria a ser nomeado Director do Departamento de Arte e Cultura – a sua intervenção, nomeadamente enquanto artista, era percebida como incómoda aos olhos dos poderes instituídos, pelo que seria enviado em 1976 a Cuba sob o pretexto de auxiliar à representação diplomática da Guiné-Bissau naquele país.
A trajectória artística de José Carlos durante este período torna-se mais errática: divergências com os restantes elementos dos “Cobiana Djazz” levam ao seu afastamento, pelo que em 1975 forma um novo colectivo, o “Kumpô”, que viria a ter uma existência fugaz, em parte devido ao tempo dispendido nas suas novas funções governativas. É neste período que se torna mais notória na sua música a crítica à traição, perpetrada pelos novos governantes, dos ideais que animaram a resistência e a revolução guineenses.
Entre os temas que o artista deixa para a posteridade, poemas escritos sobretudo no período compreendido entre 1970 e 1977, destacam-se Ke ki mininu na tchora (imagem do conflito fratricida entre guineenses pró-independentistas e seus irmãos sob o jugo do colonizador, combatendo entre si), Mindjeris di panu pretu (tributo às mulheres de luto, mães dos soldados guineenses tombados na guerra pela independência, verdadeiro hino oficioso da Guiné-Bissau) ou Djiu di Galinha (relato do período em que esteve encarcerado na prisão da Ilha das Galinhas). A sua discografia oficial é constituída pelos álbuns José Carlos Schwarz Et Le Cobiana Djazz (Vol. I e II) e pelo LP Djiu di Galinha, gravado em Nova Iorque com Miriam Makeba e editado postumamente. O seu repertório musical e literário permanece, porém, mais alargado do que a discografia oficial atesta, havendo prova de muitos dos seus poemas ainda por musicar.
É numa viagem de avião com origem na Guiné-Bissau, ao chegar a Cuba, que José Carlos Schwarz perde trágica e precocemente a sua vida, a 27 de Maio de 1977. O seu corpo seria transladado para Bissau e o funeral teria lugar no dia 1 de Junho, com um notável cortejo fúnebre, prova da imensa estima que o artista havia granjeado entre o público guineense. A influência de Schwarz no panorama musical guineense permanece intocada e o artista é relembrado como figura maior no seu país, que aguarda a sua justa (re) descoberta no plano internacional.
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